segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL – MINUTA HISTÓRICA


DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL – MINUTA HISTÓRICA.

José Fontenelle Teixeira da Silva
Defensor Público/RJ – aposentado.

O art. 134 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, dispõe que a Defensoria Pública é o órgão do Estado (União e Territórios, Distrito Federal e Estados Membros) destinado à prestação de assistência jurídica integral e gratuita à população desprovida de recursos para pagar honorários de advogado e os custos de uma postulação ou defesa em processo judicial, ou extrajudicial, ou, ainda, de um aconselhamento jurídico. A Constituição Federal Brasileira dispõe que a Defensoria Pública é Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, vale dizer, essencial à própria Justiça, do mesmo modo que o Ministério Público.

Em nosso País, as origens mais remotas da Defensoria Pública estão nas Ordenações Filipinas, que vigoram, no Brasil, até finais de 1916, por força da Lei de 2º de outubro de 1823. De fato, no Livro III, Título 84, § 10. aquelas ordenações prescreviam, aos dizeres da época, o que, hoje, denominamos afirmação de pobreza, verbis: “§ 10 – Em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de rais, nem por onde pague o aggravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma Del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como se pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o aggravo”.

Um salto no tempo vai nos fazer passar por variadas e assistemáticas iniciativas legais que tinham por objetivo garantir aos pobres o acesso à Justiça, e nos levar ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, no ano de 1870, ocasião em que Nabuco de Araújo, então Presidente do Instituto, deu decisivo impulso à causa da Justiça para os Pobres. Criou-se, então, a praxe de alguns membros do Instituto dar consultas jurídicas às pessoas pobres e defendê-las em Juízo. Nesse particular, o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros parece haver-se inspirado na experiência da antiga Atenas, onde, anualmente, 10 advogados eram nomeados para defender os pobres diante dos tribunais cíveis e criminais. Esta iniciativa não se mostrou suficiente. Nabuco de Araújo verberava e, de seu veemente discurso, extraímos este pequeno trecho: “Se não se pode tudo, faz-se o que é possível. No estado actual da nossa legislação, e atendendo às despesas que uma demanda custa, pode-se dizer, sem medo de errar, que a igualdade perante a lei não é não uma palavra vã.. Que importa ter direito, se não é possível mantel-o? Se um outro pode vir privar-nos delle? Que importa ter uma reclamação justa, se não podemos apresentál-a e seguil-a por falta de dinheiro? A lei é, pois, para quem tem dinheiro, para quem pode suportar as despezas das demandas” – (foi mantida a grafia da época). Vinte e sete anos depois, as dramáticas perguntas de Nabuco foram respondidas com a publicação, em 05 de maio de 1897, de um Decreto que instituiu a Assistência Judiciária no Distrito Federal. O órgão era constituído por uma Comissão Central e por várias Comissões Secionais.

Com o caminhar do tempo e com o acirrado inconformismo político da época, ingressou no mundo jurídico  a Constituição Federal, de 16 de julho de 1934, que, em seu Título III, Capítulo II, art. 113, n° 32, cuidou do direito de acesso gratuito à Justiça, hoje estabelecido, de forma muito mais abrangente, no art. 5°, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988, nos seguintes termos: “A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. Os Municípios, assim, desde a Carta de 1934, forma excluídos da competência para legislar sobre assistência judiciária e sobre a criação dos órgãos a respeito dos quais aquela Constituição se referia e que, 54 anos depois, foram criados pela Constituição da República de 1988, com a denominação de DEFENSORIA PÚBLICA. A Carta de 1934, entrementes, agitou, mais uma vez, a questão. O Estado de São Paulo criou, em 1935, o primeiro serviço governamental de Assistência Judiciária do Brasil, seguido pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Paradoxalmente, o Estado de São Paulo travou-se no tempo e é, nos dias de hoje, um dos poucos que ainda não criaram a Defensoria Pública da forma como manda a Constituição Federal e a Lei Complementar n° 80/94.

O Código de Processo Civil de 1939 contemplou, ao seu tempo, em Capítulo próprio, as regras básicas da Justiça Gratuita que, 11 anos depois, foram consubstanciadas na Lei n° 1.060, de 05 de fevereiro de 1950, até hoje em vigor, com importantes modificações, em face de o C.P.C./73 lhe haver remetido toda a matéria e de a mesma haver sido recepcionada pela Carta de 1988. Esta lei é o vetor pré-processual que assegura aos pobres o acesso à jurisdição pelo fato de tornar gratuito o processo, além de dispensar o pagamento de honorários do Advogado e de peritos. No antigo Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual n° 2.188, de 21 de julho de 1954, criou, no âmbito da Procuradoria Geral da Justiça, os 06 primeiros cargos de Defensor Público, que constituíram a semente da Defensoria Pública naquele Estado, cujo modelo organizacional foi adotado, em 1974, pelo novo Estado do Rio de janeiro, resultante da fusão do antigo com o da Guanabara. A Constituição do Novo Estado do Rio de Janeiro, promulgada em 23 de julho de 1975, instituiu, em seu texto, a Assistência Judiciária, como órgão do Estado, denominação que, mais tarde, foi substituída pela designação DEFENSORIA PÚBLICA. Seguiu-se a publicação da Lei Complementar Estadual/RJ n° 06, de 12 de maio de 1977, que, com importantes modificações posteriores, vigora, até hoje, como Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Dentre as alterações mais relevantes podem ser mencionadas o reforço da autonomia administrativa, a implantação da autonomia financeira e a escolha do Defensor Público Geral do Estado, mediante escolha do Governador do Estado, dentre os escolhidos, pela classe, em uma lista tríplice composta pelos mais votados. Esta lei, a mais avançada de sua época, seguida pelas do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul, serviu de exemplo para outros Estados e de referência para a Lei Complementar federal n° 80, publicada em 13 de novembro de 1994, prevista no parágrafo único do art. 134, da Carta de 1988.

A partir do início dos anos 70, como resultado da experiência vitoriosa do antigo Estado do Rio de Janeiro, e por a década de 1980, o direito de acesso dos pobres à Justiça foi objeto de vários debates em congressos, simpósios e outros tipos de encontros jurídicos, inclusive com o decisivo apoio da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, concluindo, todos eles pela necessidade de a nova Constituição Federal, que estava por vir, criasse, expressamente, o tão reclamado órgão da Defensoria Pública, por intermédio do qual o Estado passaria, também, a garantir, aos juridicamente necessitados, um Defensor Público para o patrocínio de suas causas em juízo, além da assistência técnica em pretensões extrajudiciais e do aconselhamento jurídico.

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, o direito de acesso dos desprovidos de recursos à Justiça teve o seu conceito alargado, no seu art. 5°, inciso LXXIV, e incluído entre os Direitos e Garantias Fundamentais, nos seguintes termos: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A DEFENSORIA PÚBLICA, por sua vez, foi criada, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, no art. 134, juntamente com a carreira de DEFENSOR PÚBLICO, prescrita em seu parágrafo único, no qual o ingresso se dá mediante concurso público de provas e títulos. Com tais parâmetros institucionais a DEFENSORIA PÚBLICA, no Brasil, está tratada, constitucionalmente, no mesmo plano de importância que a Magistratura e o Ministério Público.

O comando para a criação e organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados Membros, foi determinado, também, no mesmo parágrafo único, dependendo de lei complementar federal. Esta lei só foi publicada 06 anos após a promulgação da Constituição Federal em vigor, em 13 de novembro de 1994, assinando, entre outras disposições, o prazo de 180 dias para os Estados criarem as suas Defensorias Públicas, nos moldes preconizados. A maioria dos Estados já criou as suas Defensorias Públicas. Alguns já estão em vias de criá-las, embora os 180 dias, assinados pela lei Complementar n° 80/94, tenham se transformado em um atraso de 08 anos. Entre os Estados devedores desta obrigação constitucional e fundamental para a cidadania encontra-se, paradoxalmente, o Estado de São Paulo que ainda se vale de um oneroso convênio com a OAB/SP e de um operoso, mas insuficiente serviço prestado pela Procuradoria Geral do Estado.

            De qualquer forma, o Brasil, pelo que se pode pesquisar, é o único País do mundo que deu tratamento constitucional ao direito de acesso dos insuficientes de recursos à Justiça e aos seus consectários de uma ordem jurídica justa, à segurança dos direitos e à efetividade das decisões judiciais.

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